Língua e Aprendizagem

“Ensinar uma língua é propor uma jornada. Aprendê-la é viajar.”

(Norbert Kalfon)

Certa vez, quando cursava os anos iniciais do antigo nível ginasial, atual Ensino Fundamental II, perguntei-me o porquê da necessidade em estudar a Língua Portuguesa. Afinal, eu já sabia falar a minha língua materna; não precisava passar anos a fio aprendendo sobre o idioma o qual cresci ouvindo meus pais, avós, tios, primos e amigos falando ao meu entorno. Nós nos comunicávamos muito bem: meu interlocutor falava, eu respondia e vice-versa. Tínhamos aí um diálogo, não é mesmo? Então, por que estudar português?

Havia naquela época – início dos anos 1980 – uma disciplina chamada Comunicação e Expressão. Além das aulas de Português, voltadas aos estudos da gramática normativa, isto é, dos elementos que compõem a estrutura linguística do idioma e das regras para seu bom uso oral e escrito, as aulas de Comunicação e Expressão davam a conhecer aos alunos os diversos aspectos da linguagem, a qual usavam para se comunicar e se expressar diariamente.

Assim, aprendemos que a LÍNGUA é um código verbal específico, usado por um grupo de falantes (povo, nação, etc), para se comunicar; ao passo que a LINGUAGEM é qualquer conjunto de códigos ou signos usados para comunicar e expressar ideias, conceitos, sentimentos. Exemplo: linguagem médica, tecnológica, policial, jurídica, educacional, entre outras.

Mas, de novo, torno à pergunta: por que estudar português? Aqui seguem ao menos três motivos para não apenas conhecer melhor o universo da língua portuguesa, mas também apaixonar-se por ela a cada dia, mergulhando em suas peculiaridades linguísticas e históricas.

Primeiro, porque é de suma relevância atentarmos para os padrões da escrita formal, ou seja, do que os gramáticos convencionaram chamar de língua-padrão ou norma culta[1], observando que para cada situação de comunicação existe uma maneira diferente de expressar-se, tanto na linguagem verbal quanto na linguagem oral. No entanto, é preciso ter em mente que o estudo da gramática não deve, de forma alguma, trazer a reboque todo e qualquer tipo de preconceito linguístico, seja este verbal ou oral, à exemplo dos primeiros gramáticos, que ignoravam a função social das línguas, desconsiderando que estas possuem variações (de acordo com o espaço em que são manipuladas) e mudanças (de acordo com o tempo). Todas as línguas são mutáveis, e a língua portuguesa não é diferente.

Segundo, porque quem faz a língua é o falante mas, apesar disso, é preciso conhecer as normas para que haja um mínimo de compreensão mútua no processo comunicativo, considerando, repito, que o estudo da gramática deve ser desprovido de preconceitos do funcionamento da língua, já que “todo ser humano é capaz de produzir linguagem e interagir socialmente através dela, por meio de textos falados e escritos [..]”, conforme afirma o sociolinguista Marcos Bagno (2007, p.70).

Por último, porque conhecer, estudar uma língua, ainda que a própria língua, não se trata apenas aprender conceitos, regras e diferenças entre o bem e o mal falar ou escrever, mas principalmente viajar a um universo mágico e amplo das Belas Letras, de diversidades sociais, culturais e de identidades. Não por acaso, a citação de Norbert Kalfon, professor no l’Institut Français de Madrid (ES), instiga-nos a refletir: “Ensinar uma língua é propor uma jornada. Aprendê-la é viajar.”

Por: Sandra Caldas Lourenço

Referência bibliográfica:


[1] Os sociolinguistas divergem dos gramáticos tradicionais sobre o conceito de norma culta na língua. Para saber mais, veja Nada na língua é por acaso: por uma pedagogia da variação linguística  / Marcos Bagno, São Paulo: Parábola Editorial, 2007.

Deixe seu comentário

Posts Relacionados: