Prática docente e ensino de Português: por uma reeducação sociolinguística

A prática docente no ensino de Língua Portuguesa (LP) é assunto recorrente em obras de diversos linguistas brasileiros, mas principalmente de sociolinguistas como Marcos Bagno, professor da Universidade de Brasília (UnB). Já o citei em outra oportunidade em um artigo neste blog. Agora, recorro a este autor, mais uma vez, para discorrermos um pouco sobre a importância de o docente de LP refletir sobre sua prática em sala de aula, no que concerne a aplicação dos conteúdos desta disciplina durante o processo de ensino-aprendizagem nas redes pública e privada de ensino regular.

Durante minha formação docente, ao estudar os arcabouços da Sociolinguística, meus colegas e eu fomos convidados a refletirmos a respeito de nossa futura prática como professores e dos caminhos possíveis para a promoção de uma reeducação sociolinguística, ou melhor, a reeducação na prática do ensino da língua materna, ou mesmo de segunda língua/língua estrangeira (L2/LE), aos alunos das escolas públicas e particulares em todo o país.

Para trabalhar a reeducação sociolinguística, proposta por Bagno na obra A língua de Eulália[1], é necessário, antes, fazer uma reeducação do próprio professor de LP na sua prática docente. Já nos capítulos iniciais da obra, é nítida tal proposta do autor, articulada pela personagem Irene, professora universitária aposentada, docente de língua portuguesa e linguística, mas que nunca se afastou do ofício de educar.

Irene educa ou reeduca sua colaboradora doméstica Eulália, que provem de classe social humilde e que fala “errado” aos olhos das pessoas com nível cultural mais amplo, que tiveram acesso à educação e que, portanto, acabam sendo vistas pela sociedade como uma camada social privilegiada, apenas pelo fato de saberem se colocar, tanto na oralidade quanto na escrita, dentro dos padrões da norma culta da língua. Este não é o caso de Eulália, que é vista com distanciamento e preconceito, exposto pelas personagens Vera (sobrinha de Irene), Sílvia e Emília, três amigas, universitárias, e professoras em um mesmo colégio em São Paulo.

Liberdade, Igualdade e Fraternidade é um dos capítulos que mais me chamou a atenção, justamente pela abordagem da professora Irene quanto ao tema do PNP (português não padrão), as transformações sofridas por determinadas palavras na língua portuguesa e, principalmente, pela reflexão que a personagem faz sobre a diferença entre “educar” e “ensinar”.

No Brasil, a prática docente ainda está viciada nos moldes antigos, em que o professor de LP desempenhava um papel ativo, despejando conteúdos de morfologia e sintaxe, enquanto o aluno, passivamente, os recebia, bastando decorar conceitos e regras, sem que tivesse uma percepção real da função prática de tudo isso. Ninguém, ao escrever um texto, pensará: “Primeiro, vem o artigo, depois o substantivo, depois o verbo, depois os complementos”. No entanto, poderá pensar, dependendo do contexto ou da situação real de comunicação (oral ou escrita): “Talvez, a palavra ‘postulante’ seja mais adequada do que a palavra ‘candidato’”, por exemplo.

Aí reside a diferença entre educar (ex duco = trazer de dentro para fora) e ensinar (in signo = colocar um sinal em alguém). E, talvez, o grande passo para nós docentes seja refletir profundamente sobre essa questão e buscar novos caminhos para as práticas da educação em sala de aula. Talvez tenhamos que riscar do nosso caderno o verbo ensinar e adotarmos de vez o verbo educar, na tentativa da promoção de uma reeducação sociolinguística.

Por: Sandra Caldas

[1] BAGNO, M  A língua de Eulália: novela sociolinguística  17ª ed., São Paulo: Contexto, 2012.


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